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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Leopoldina e Augusto dos Anjos


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Outubro, 2009

Está em fase de julgamento, na Academia Leopoldinense de Letras, o 18º Concurso Nacional de Poesia Augusto dos Anjos, que a Secretaria Municipal de Cultura de Leopoldina, vem de promover. Participaram mais de trezentos concorrentes, do Brasil inteiro.

Vê-se, por aí, o quão ampla foi a repercussão da iniciativa. Todo o país tomou conhecimento do evento realizado em Leopoldina, neste fim de ano. Todos os Estados estão representados no concurso.

É assim que a cidade ganha importância, ganha projeção, ganha razão para ser conhecida e visitada. E se torna mais clara a importância de preservarmos a memória dos poetas, artistas plásticos e autores, de nossa terra.

O que vale para Augusto dos Anjos, vale também para Miguel Torga, vale para Funchal Garcia, para Luiz Rafael, para Déa Junqueira, para Márcia Monteiro. A cidade só tem a ganhar quando promove o resgate de sua história, apoia e procura desenvolver o culto das letras, das artes e do intelecto, valoriza escritores e artistas locais.

Cada coisa por sua vez. Dentro de poucos dias conheceremos o vencedor do 18º Concurso de Poesias. Estamos imersos na temática augustiana. Ela está por todo lado. Até onde, de fato, nunca esteve. Impossível, por exemplo, lembrarmos O Corvo de Alan Poe - “Com que intenções, horrendo, torvo, esse ominioso e antigo corvo, grasnava sempre: “Nunca mais!” - sem que nos acudam os versos de Budismo Moderno de Augusto dos Anjos: “Ah, um urubu pousou em minha sorte.”

E se lembramos da “última flor do Lácio, inculta e bela... que és ao um tempo esplendor e sepultura”, nas queixas de Bilac? Mais uma vez somos vertidos a Augusto dos Anjos, quando ele indaga de onde vem A Idéia: “De onde ela vem?! De que matéria bruta / Vem essa luz que sobre as nebulosas / Cai de incógnitas criptas misteriosas / Como as estalactites duma gruta?! (......) Vem do encéfalo absconso que a constringe, / Chega em seguida às cordas do laringe, / Tísica, tênue, mínima, raquítica .../ Quebra a força centrípeta que a amarra, / Mas, de repente, e quase morta, esbarra / No molambo da língua paralítica.”

Neste clima de envolvimento concluímos que Augusto dos Anjos não foi, assim, poeta tão insular como alguns o têm. Ferreira Gullar, e outros, o consideram um pré-modernista. Muito provavelmente Augusto terá decidido instrumentalizar sua poesia com a linguagem de seu tempo. Do mesmo modo como os modernistas se abraçaram à linguagem do jornalismo e os concretistas lançaram mão da técnica da escrita publicitária, o século XX foi o século da ciência. Augusto com a sensibilidade que só os poetas possuem, percebeu que aquele seria o melhor caminho que a linguagem de sua poesia poderia tomar. O resultado singular se traduz naquilo que conhecemos hoje como poesia de Augusto dos Anjos.
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(Publicado na Revista HORA H de outubro de 2009)

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sobre Drogas

Outubro, 2009


 Desejo repercutir aqui, hoje, abordagens que tenho visto nos jornais sobre o consumo de crack  pela juventude brasileira. Levar informação às pessoas sobre a doença das drogas é quase um ato de caridade porque nem sempre há clareza no que se lê por aí.

Não tenho formação profissional na área da saúde, mas penso ser fundamental que os pais saibam o seguinte:

1. Que a esperança deve presidir a tudo. Em primeiro lugar a família e, em segundo lugar, o adicto decidido a recuperar-se, devem ter esperança na recuperação. Ela virá.

2. A drogadição é uma doença crônica, progressiva, incurável. Ou seja, no estágio atual da medicina, não existe cura definitiva para a dependência química. Controla-se a doença, como ocorre no diabetes, por exemplo.

3. A progressão descontrolada do vício é que pode levar à morte (acidentes, suicídios, overdose, HIV, hepatite, etc.), ao hospício, ou à prisão – nos delitos graves. É que, para conseguir a droga, ou o dinheiro para a droga, o dependente que já possua um componente psicológico de agressividade, é capaz de excessos.

4. Crack é cocaína absorvida no pulmão, pelo que causa uma dependência avassaladora, muitíssimo mais insinuante que a dependência pela absorção da cocaína pela mucosa nasal.

5. Os Hospitais Psiquiátricos não dispõem de meios, não dispõem de programas, nem de pessoal capacitado para tratar dependência química. Podem, apenas, dopar e isolar o doente em crise. Quando ele “ficar bom” terá alta por “não apresentar doença tratável em sanatório”... A falha, a deficiência da Saúde Pública, reside exatamente neste ponto. É certo, entretanto, que as autoridades públicas já começam a se movimentar no sentido do socorro às vítimas desse mal.

6. No caso do adicto em crise aguda, muito instigado a usar, muito alterado, não há melhor solução que interná-lo “à força”, se preciso, num Hospital Psiquiátrico. A lei não proíbe. Ali, sob cuidados profissionais médicos, o doente será sedado por alguns dias, ou semanas, até que a instigação (fissura) diminua e se possa conversar com ele. Não se repreende pessoa drogada, nem se arranca dela promessas de tratamento. Não é ela que está ali; é a droga. Procura-se acalmá-la.

7. Passado o efeito do uso, virá o arrependimento e a depressão. Aí sim, será hora de “negociar” com o doente a ida a um profissional (psiquiatra ou psicólogo) especializado em orientação a dependentes químicos. Esse profissional avaliará o caso decidindo, ou não, pela internação numa “Comunidade de Recuperação de Dependentes Químicos”. Muitas adotam orientação terapêutica pelos chamados “Doze Passos”, mesmo método dos AA (Alcoólicos Anônimos). O preço do tratamento irá variar de acordo com a excelência dos recursos oferecidos e do conforto das instalações. Mesmo com dificuldades burocráticas, já é possível contar com ajuda governamental para essas internações.

8. Após tratamento de alguns meses, o dependente pode voltar ao convívio da família, passando a frequentar, regularmente, um “Grupo de NA” (Narcóticos Anônimos), além do psicólogo. O NA é fundamental. Não dá para imaginar alguém deixando as drogas sem tal apoio.

9. Existem comunidades terapêuticas – gratuitas e quase gratuitas – de orientação religiosa, mantidas por igrejas. Alguns psiquiatras, todavia, entendem que a cura da drogadição via religiosidade, tende a produzir resultados positivos de preferência em pacientes detentores de perfil psicológico “obsessivo”. Estes são mais aptos a substituir a obsessão da droga por uma (talvez) obsessão religiosa. Já outros, sem perfil obsessivo, não se beneficiariam tanto. Uma coisa, entretanto, é certa. A espiritualidade pode ajudar muito na recuperação. Principalmente na aquisição, ou recuperação, de valores morais e na eliminação dos vícios de caráter que a droga sempre acarreta.

10. Não é fácil convencer um indivíduo muito jovem a aceitar tratamento. Deve-se, entretanto, insistir e até forçá-lo, porque o crack é muito lesivo. Mesmo que o jovem venha a recair ao final de um longo período de tratamento, ele, pelo menos, estará livre de intoxicação e de prejuízos orgânicos – perda de neurônios etc.

11. De resto, a insistência no tratamento é muito válida enquanto os pais ou responsáveis aguardam que a idade, o amadurecimento, leve seus filhos, um dia, à avaliação das perdas: o adicto perde amigos, casamento, guarda de filhos, emprego, capacitação profissional. Chegam à idade adulta dependentes dos pais e expostos a doenças fatais.

12. Na maior parte dos adictos, a decisão sincera de enfrentar o duro caminho da abstinência surge quando assumem a consciência das perdas experimentadas. Durante o tempo em que a droga apenas “gratifica” o usuário, com o enorme prazer que proporciona, a decisão de deixá-la não vem fácil. Perdas são, muitas vezes, necessárias. No momento em que as perdas suplantam o “prazer” da droga tem-se o “fundo do poço”. O adicto bate lá, percebe que vai morrer, que acabou com a própria vida, e passa a querer voltar. Por isto, a família precisa orientação para não se tornar “facilitadora”. Além de ajuda profissional, psicológica, os familiares devem frequentar um grupo NAR-ANON, de orientação a pessoas ligadas ao adicto. Ajuda muito! Ensina muito.

13. Por último, é pertinente dizer que não existe diferença importante entre as drogas. Todas levam ao mesmo precipício. O álcool, droga lícita entre nós, é a porta de entrada para todas as outras. Drogadicto é alguém que nasceu com organismo predisposto a viciar-se em elementos químicos. Assim, o jovem que carrega tal predisposição inicia sua “carreira de dependente” no dia em que toma o primeiro copo de cerveja ou experimenta o primeiro baseado. O organismo passa a exigir mais, sempre mais. Quando o “barato” da primeira droga já não é tudo, passa-se a outra droga. Depois a outra, e a outra... Por isto é equívocado dizer que uma droga é pior que a outra.

14. É muito boa, pois, a lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores. Se fosse uma lei com previsão de sanções severas, as quais uma justiça séria fizesse valer, seria melhor ainda.


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(Publ. em 29.10.2009, em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Leopoldina dos Inativos

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Julho, 2003

Sobre a Reforma da Previdência que sempre vem à tona, a algumas pessoas parece faltar a dimensão do quanto é importante para uma comunidade abrigar o maior número possível de elementos com bom poder aquisitivo.

Trata-se do óbvio, mas lembro-me que pouco antes da informatização reduzir a menos de um terço o contingente bancário em nossa cidade, ouvi de um empresário local - logo de um empresário, imaginem! – palavras pesadas contra funcionários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica que, segundo ele, eram demasiados e ganhavam salários “altíssimos”, absurdos. Desses dois órgãos, não poupava nem os aposentados.

Era mesa de amigos e todos perceberam que o ódio do inconformado orador não se dirigia exatamente à política salarial dos bancos, mas ao nível de vida de uma cunhada bancária, exibicionista.

Na verdade, diga-se, a razão desse bobo ciúme a vizinhos e a achegados sempre correu mais por conta do instituto da Alienação Fiduciária que dos bons ordenados dos bancários. Desde o milagre brasileiro, e por um bom tempo, houve crédito à vontade, e ainda há, para celetistas andarem por aí de carro zero, financiado sob vinculação fiduciária. Ou seja, o carro reluzente não pertence, de fato, ao presunçoso motorista, mas a um agente financeiro. O motorista não passa de um pagador de prestações mensais altíssimas, grávidas de juros e taxas, e, aquele que o inveja, um simples equivocado. Mas, pelo menos, corria mais dinheiro na cidade, naquele tempo.

Não sei agora, tempos depois, se nosso homem de negócios estará feliz com a grana curta que anda por aí, que se não mais permite a ostentação social da cunhada antipática, também não lhe permite sonhar com clientes no negócio que toca.

Os bancários voaram como ararinhas azuis para o rol das espécies em extinção. Qualquer dia os Bancos instalarão terminais eletrônicos na cabeceira de nossa cama. Leopoldina que já somou uns 250 bancários, nos bons tempos, não conta hoje com metade desse pessoal, que construía casas, empregava mão de obra e comprava no comércio. A classe foi drasticamente reduzida e a grana dos que permaneceram, anda curtíssima.

Repartições públicas e autárquicas também passaram a aplicar essa política de redução de custos com pessoal, conhecida pelo besteiro cognome de enxugamento da folha. Para redenção do comércio e da indústria, sobram os aposentados daqui somados aos aposentados d’acolá - de São Paulo e Rio de Janeiro - que, escolhendo cidades como Leopoldina para escapar das balas perdidas, acabam bafejando algum alento na economia municipal.

Nossa professora de geografia, do velho Colégio Leopoldinense, em alusão clássica à importância do Rio Nilo na economia egípcia, ensinava: “O Egito é um presente do Nilo!” Pois bem, Leopoldina é hoje um presente da inatividade. Raro, nesta terra, o tilintar de moeda que não proceda de um bolso aposentado.

Se assim é, tapete vermelho para sua excelência o inativo, o jubilado, o reformado, o aposentado. Tal como na seresta, respeitemos seus “cabelos brancos” nos supermercados, nos postos de gasolina, nas lojas de material de construção, nos açougues, nos restaurantes, nas farmácias, nos consultórios médicos, nos laboratórios de análise. Eles estão oxigenando a economia da cidade.

A verdade é que quando esse pessoal se põe a salvo no interior, acaba melhorando aquilo por lá, revertendo o êxodo para as grandes metrópolis, e gerando oportunidades nisto por cá, fixando trabalhadores do campo em sítios, lares e chácaras, absorvendo mão de obra pouco qualificada nas cozinhas, negócios e quintais, ao mesmo tempo em que melhoram tudo por aqui promovendo verdadeira revisão social à luz de novos descortinos, novas experiências, dinamizando o consumo, a arrecadação de impostos e tudo mais quanto daí decorra.

Pena que já surge um probleminha. A pretexto de uma reforma previdenciária que precisa ser feita, começou a aparecer gente incomodada com a paz dos aposentados. Talvez obra das famigeradas raízes latinas. Nossa cultura é de valorização da pobreza, da penúria, do despojamento, da necessidade, do sacrifício, da dor, do fracasso, do drama... Somos um povo amarrado em letra de bolero. Vemos como demoníaco o sucesso dos anglo-americanos calvinistas, endinheirados, vaidosos, ostentadores de limusines, mulheres lindas e prédios raybanizados.

Latinos têm nariz torcido para quem vence na vida. Diz-se que a propriedade, em si, é uma violência contra quem não a possui; que “estado de direito” é trincheira do egocentrismo liberal; que “direito adquirido” é engodo dos que oprimem. Muito ao contrário, construir não é enfiar boné, berrar slogans, desrespeitar e invadir...

A impressão é de que o Brasil aspira a Serra Leoa. Apesar dos nossos índices sociais progredirem a olhos vistos (confiram-se os índices mundiais do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, recentemente publicados), nossa extrema esquerda não se cura da nostalgia pela penúria compartilhada, por uma imaginária divisão que generalize miséria e leve desestímulo aos que se preparam, enfrentam concurso ou lutam a vida toda em seu negócio, encanecendo-se mais cedo na sustentação de seus projetos. Insistem na afirmação de uma justiça social utópica, niveladora por baixo, sob a lógica da pedrada em bodes expiatórios, como se lhes fosse possível garantir 170 milhões de vencedores a um só tempo.

Não demora, a minha Leopoldina, MG, corre o risco de não contar mais com as moedinhas preciosas de seus inativos... pelo que me consta, nem tão inativos assim.
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(Publicada na Gazeta de Leopoldina de 30.07.2003)

domingo, 25 de outubro de 2009

Assim Falava Zaratustra



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("Faravahar" - Representação da alma humana no zoroastrismo, de Zaratustra, o Zoroastro)
Outubro, 2009

Seja otimista, meu filho, mesmo quando todas as expectativas apontarem na direção oposta. Acredite que, no fim, tudo dará certo. Se você for forte, vai dar.

Com ajuda do tempo um homem pode tudo. Arregace as mangas, trace uma meta, adote uma estratégia, escolha a tática e não esmoreça. Declare que todas as derrotas, se vierem, serão provisórias para você.

Recorra, reaja, comece de novo. Use a imaginação e, se houver espaço, vá plantando colaboração amiga ao seu redor. Cérebros humanos são aliados surpreendentes. Tão poderosos que ninguém até hoje pôde avaliar-lhes o limite da exata proficiência. Sabe-se, apenas, que o que ele tem de melhor ainda se esconde nos subterrâneos das conexões sinápticas.

Neurônios são cracões de bola que relutam entrar em campo. Vaidosos, gostam de ser solicitados. Estão com eles, entretanto, as possibilidades e os poemas.

Estude, meu filho. Leia. Principalmente o que lhe for mais agradável. É mais sábio conviver com as questões do que com as respostas. O conhecimento foi decisivo no século que passou e não há indícios de que perca relevância como instrumento de ascendência e domínio neste novo século. Direcione sua vitalidade e seu tempo para as boas e justas causas. Isto o diferenciará.

Jamais surgirá do silício a lógica avançada de um software capaz de iluminar os horizontes de sua alma de homem em constante construção. A tarefa é sua. Aprimore-se, aprimore-se indefinidamente. Acredite sempre no seu taco. Quando menos se espera o cérebro deixa escapar o lance luminoso, a solução inesperada.

Dispense quaisquer laivos de vaidade porque ninguém é melhor do que ninguém: a diferença entre as pessoas está no maior ou no menor uso que fizeram, ou ainda fazem, da cinzenta.

Jamais rompa com a esperança para que todas as conquistas lhe sejam possíveis. Que as deslealdades nunca o amofinem, nem lhe envenenem a alma. Adversidades são êmulos eficientes de crescimento espiritual.

O ser humano tem defeitos, mas em regra é bom. Pessoas às vezes erram porque a vida se tornou complicada para elas. Tolere. Se possível, ajude. Você se lembra - quando menino - a paciência que seu irmão mais novo exigia? Na vida é igual. Todo mundo é irmão.

Vá pelo seu pai. E não se surpreenda quando você começar a se dar bem em algumas paradas.
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(26.10.2009)

sábado, 24 de outubro de 2009

Colégio Leopoldinense #


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Maio, 2006

A mais famosa instituição de ensino de Leopoldina e, por muitos anos, das mais importantes do Estado de Minas Gerais, o Gymnasio Leopoldinense foi fundada em 3 de junho de 1906 pelos irmãos, José Monteiro Ribeiro Junqueira, advogado e político, e Custódio Ribeiro Junqueira, médico.

Como consta do livro Lições e Recordações, do Professor Oíliam José, pág. 42, Ed. do Autor, 2002, Belo Horizonte, MG, o Colégio Leopoldinense “não se tornou conhecido e procurado sem motivos dignos de louvor, ministrava aplaudido ensino e mantinha louvado internato. (...) Preparou os melhores alunos para o exercício das mais variadas funções e profissões, como continua fazendo. Basta salientar que teve em Milton Soares Campos e Antonio Pedro Braga alguns de seus alunos. Todos esses fecundos resultados decorreram e decorrem dos dedicados Diretores que teve e do Corpo Docente, que sabia cuidadosamente formar”.

Realmente, ao longo dos muitos anos de sua existência - como Colégio de vocação regional até o fim dos anos 50, mercê do grande internato que possuía, recebendo alunos de toda a Zona da Mata Mineira, do Vale do Rio Doce, Campo das Vertentes, Vale do Jequitinhonha, municípios do norte do Estado do Rio e de recantos os mais distantes - passaram pelo Colégio Leopoldinense alunos que se tornaram figuras importantes da vida pública nacional, tais como Ministros de Estado, Ministros de Tribunais Superiores, Desembargadores, Juízes, Escritores, Artistas Plásticos, Profissionais Liberais os mais diversos, Empresários, Comerciantes, Políticos, etc. Em razão disto, uma divisa bastante imodesta, mas não de todo exagerada, dizia: “Em qualquer parte do Brasil existe alguém que se formou no Colégio Leopoldinense”.

Mário de Freitas, em seu livro Leopoldina do Meu Tempo, pag. 47, ao mesmo tempo em que fala da comoção, na cidade, pelo falecimento, a 7 de fevereiro de 1926, do ilustre Diretor do Ginásio, José Ribeiro dos Reis, relaciona os professores que aqui encontrou naquele ano de sua chegada a Leopoldina. Mestres que marcaram época, cujos nomes a história registrou: Carlindo de Alvarenga Mayrinck, Henrique Barbosa da Cruz, Jesus Ferreira Varella, Oswaldo Christróvam Vieira, Militino Rosa, José do Patrocínio Pontes, Desembargador Custódio Lustosa, Gustavo Monteiro de Castro, Joaquim de Souza Guedes Machado, Felix Malburg, Antonio de Oliveira Guimarães, Antenor Machado (o Machadinho), Júlio Ferreira Caboclo, Antonia Monteiro Junqueira.

Aliás, sobre o Machadinho, Mario de Freitas o descreve como “cientista de renome internacional”, figura simpática, risonha, extremamente singelo no trajar-se, “humilde e modesto de causar pasmo”. Certa vez - revela Mário - um amigo perguntou a Antenor Machado a razão de ele vestir-se de forma tão despojada, quase incompatível com o nome que desfrutava nos meios culturais e sociais da cidade. A resposta foi:
- Aqui, todos me conhecem, a roupa pouco significa.

Tempos depois, convocado pelo Governo Federal - segundo o radialista e grande conhecedor da história de Leopoldina, José Américo Barcelos, Machadinho foi designado a assumir a direção de um grande Laboratório Farmacêutico, alemão, por ocasião da Segunda Guerra Mundial - transferiu-se para o Rio de Janeiro e, lá, não alterando hábitos pessoais, o amigo voltou a cobrar-lhe elegância compatível, ao que Machadinho respondeu:
- Aqui no Rio ninguém me conhece, a roupa pouco significa...


(Foto: Gymnasio Leopoldinense antes da reforma.)


No Gymnásio funcionou a Escola de Farmácia e Odontologia do Gymnásio Leopoldinense, fundada em 17.01.912 e extinta em 1930; A Escola de Odontologia que foi fechada em 1921 e, a de Farmácia, em 1930;

Instalou-se a Escola Normal, cujas matrículas para o Curso Normal foram abertas em 01.12.1906;

Os cursos de Obstetrícia, Agrimensura e Belas Artes, cujas matrículas foram abertas em 14.02.1909, mesma data das matrículas para os Cursos de Farmácia e Odontologia;

Um Jardim de Infância, anexo à Escola Normal, inaugurado em 27.07.1909;

A Escola de Aprendizado Agrícola, instalada em 03.06.1914;

A Escola de Comércio Professor Botelho Reis, filiada à Escola Livre de Comércio de Minas Gerais, em 19.01.1930.

Do arquivo do jornal Reencontro, sob os cuidados de seu editor e redator José Antonio Almeida, obtivemos a seguinte cronologia de datas marcantes do Gymnásio Leopoldinense: - 01.12.1906, abertura das matrículas para o Curso Normal; - 15.01.1907, abertura das matrículas para o Curso Ginasial; - 14.02.1909, abertura das matrículas para os Cursos de Farmácia, Odontologia, Obstetrícia, Agrimensura e Belas Artes; - 27.07.1909, inauguração do Jardim de Infância; - 17.03.1910, primeira diplomação de bacharelandos e normalistas; - 17.01.1912, fundação das Escolas de Farmácia e Odontologia; - 03.06.1914, instalação do Aprendizado Agrícola; - 21.03.1918, equiparação da Escola de Farmácia à Escola Oficial; - 13.05.1918, Construção do primeiro bloco do atual prédio (o lado esquerdo do prédio), projetado pelo Dr. Ormeo Junqueira Botelho; - 1926, construção do segundo bloco, dotando o prédio de seu formato definitivo; - 19.01.1930, a Escola de Comércio Professor Botelho Reis é filiada à Escola Livre de Comércio de Minas Gerais; - 1932, equiparação do Gymnásio aos Colégios Oficiais; - 18.12.1932, início das inscrições para o Curso Comercial; - 1934, criação da Liga Esportiva do Colégio Leopoldinense, o depois cognominado Esquadrão Fantasma; - 25.04.1941, instalação da Sirene; - 25.03.1942, instalação do Curso de Contador; - 15.03.1943, início dos Cursos Clássico e Científico; - 1946, transferência ao Bispado; - 14.02.1955, assunção do Colégio pelo Estado de Minas.

Na Escola de Farmácia lecionavam, como informa Mário de Freitas, os professores Militino Rosa, Antenor Machado, Oswaldo Christóvam Vieira e Antonio de Oliveira Guimarães.

O Gymnásio passou de seus fundadores ao Bispado de Leopoldina no início do ano de 1946, quando era Diretor o Prof. Alziro Azevedo de Carvalho.

Sob a Diocese, vieram a ser seus Diretores, entre 1946 e 1948, o Pe. José Domingues e, por trinta anos, de 31.01.49 a 09.11.79, o Mons. Guilherme de Oliveira o qual, como se vê, continuou na diretoria após a estadualização.

Em 1955 foi o Colégio Leopoldinense transferido do Bispado de Leopoldina ao governo do Estado de Minas Gerais.

O Prof. Oíliam José, à página 44 do livro Lições e Recordações, acima citado, tece importantíssimas considerações sobre os “heróicos esforços” do Bispo Diocesano de então, Dom Delfim Ribeiro Guedes, secundado por Mons. Guilherme de Oliveira, junto aos governadores de Minas, Juscelino Kubitscheck e Clóvis Salgado, e junto a deputados estaduais, para obter a estadualização do Colégio e, com isto, garantir ensino ginasial e colegial gratuitos a toda juventude leopoldinense.

Inúmeros obstáculos tiveram que superar – diz o Prof. Oíliam – para que as autoridades aprovassem a compra do Colégio. A maior delas foi a falta de recursos financeiros por parte do governo de Minas.

Com efeito, aos 14.02.1955 o Colégio foi assumido pelo Estado de Minas, mas a escritura de Compra e Venda só veio a ser assinada em 7.12.1955. O preço recebido pela Diocese foi, quase que inteiramente, consumido nas indenizações trabalhistas ao professorado e ao pessoal administrativo – informa o Prof. Oíliam.

Transferido ao Estado, o Colégio passou a denominar-se Colégio Professor Botelho Reis, depois Colégio Estadual Professor Botelho Reis, com a Lei 1.388, de 23.12.1955, assinada pelo saudoso filho de Leopoldina, então Governador do Estado, Clóvis Salgado da Gama que, na qualidade de Vice-Governador, assumira a chefia do Executivo Mineiro em 1955, ocasião em que Juscelino Kubitschek precisou desincompatibilizar-se para candidatar-se à Presidência da República.

(Foto: Prédio onde foi fundado, em 1906, e passou a funcionar o Gymnasio Leopoldinense. No prédio novo, corresponde à ala esquerda, reformada.)

Tem-se, portanto, que graças à visão sociológica e humana desses homens ilustres, Dom Delfim, Mons. Guilherme, Juscelino Kubitscheck e Clóvis Salgado, um colégio que antes, por ser particular, só tinha condição de oferecer instrução a alunos cujos pais tivessem recursos para pagar seus estudos, a partir da estadualização passou a receber em seus bancos escolares toda a juventude leopoldinense, independente da condição econômica.

Nós, ex-alunos da fase anterior à estadualização do Colégio, fomos testemunhas de uma realidade social lamentável, constrangedora. Não havia em Leopoldina, como certamente ocorria em outras cidades de igual porte do país, educação secundária gratuita. Sendo assim, só os que podiam pagar gozavam desse privilégio. Como resultado, até os derradeiros anos da década de 50, à exceção das escolas primárias, todos os colégios de Leopoldina resultavam ser colégios para brancos, ou seja, para os que podiam pagar! Isto equivalia à absoluta negação, entre nós, por cerca de 60 anos após a Lei Áurea, do direito de instrução secundária à juventude pobre (condição em que, principalmente, a juventude negra se incluía em sua quase totalidade). A monstruosidade ganha maior vulto se lembrarmos que Leopoldina, do início do Século XX, detinha o segundo maior contingente negro do Estado de Minas - inferior, apenas, a Juiz de Fora.

Isto deixa muito clara a grandeza humana, o elevado espírito do nosso primeiro Bispo, Dom Delfim Ribeiro Guedes, um homem de aguda visão social que soube enxergar muito além dos interesses materiais que administrava. Preferiu transferir o enorme patrimônio imobiliário do Bispado - o intangível histórico de valor incalculável de um dos mais conceituados estabelecimentos de educação do país - ao Estado de Minas, em troca de nada, porque tinha olhos voltados para o bem da juventude injustiçada de nossa terra.

E pensar que, ainda hoje, pessoas existem incapazes de alcançar o sentido de certas medidas de inclusão social e ações afirmativas em andamento no país. Cegos para a não-inexistência de uma única sociedade brasileira, existindo, sim, várias sociedades brasileiras - como tão bem observa o teatrólogo Augusto Boal. São mentalidades tacanhas, insensíveis às distorções do establishement colonizador europeu, felizmente vencida e ultrapassada no tempo e no espaço.

Pelo Colégio passaram, pela ordem, os seguintes Diretores, desde a sua fundação, em 1906: Henrique Barbosa da Cruz, Dr. Jacques Dias Maciel, Prof. José Botelho Reis, Dr. José Monrteiro Ribeiro Junqueira, Dr. Carlindo Alvarenga Mayrinck, Antonio Carlos de Azeredo Coutinho, Prof. Alziro de Azevedo Carvalho, Mons. José Domingues Gomes, Dr. Lydio Machado Bandeira de Mello, Mons. Guilherme de Oliveira, Prof. Geraldo Bertochi, Prof. Marcelo Barroso Domingues, Rodrigo Arantes Queiroz, Iran Fajardo, Fernando Miranda Vargas.

Com auxílio da obra, já referida, do Professor Oíliam José, mencionaremos a seguir, alguns professores da fase em que o Colégio pertenceu à Diocese, quase todos colegas de magistério do autor e por ele nomeados na página 43 e 44: Sargento Adélio Silveira de Souza, Prof. Antonio Moura de Oliveira Guimarães, Profª. Belarmina Soares Maranha, Profª Carmen C. Spínola, Profª. Conceição S. dos Santos, Dr. Ennio Fadda, Tte. Enock de Araújo Barbosa, Dr. Francisco Reif de Paula, Dr. Francisco Ribeiro Junqueira, Dr. Geraldo de Vasconcelos Barcelos, Dr. Geraldo Bertocchi, Dr. Hamil J. A. Adum, Prof. João Batista Alvim, Dr. Joaquim Barroso Guedes Machado, Profª Maria Aparecida Monteiro Ferreira, Profª Maria Guilhermina Vilela Fajardo, Profª Maria Regina Monteiro de Castro, Profª Nely Soares dos Santos, Profª Olímpia Antunes Duarte, Sub-Tenente Otávio L. Pereira, Prof. Rodophe Gibrat, Profª Silvia Souza
Werneck, Prof. José de Andrade e José Ribeiro Leitão.

A maioria destes, como o próprio Professor Oíliam - que, da Academia Mineira de Letras continua a nos brindar com aulas preciosas através de seus livros - os preceptores muito queridos da nossa própria passagem pelo Colégio Leopoldinense, na década de 1950.

Infelizmente, muitos deles já não vivem, elevados que foram aos serviços da Divina Reitoria. Permanecem, todavia, presentes em nossos corações porque os mestres não passam. Eles sobrevivem nos mais luminosos desvãos de nossas almas, com suas palavras, com suas idéias, seus gestos, suas imagens, e isto não é mais que um pouco da imortalidade de cada um deles se insinuando, repercutindo luminosamente dentro de cada um de nós.
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(Publicada no jornal LEOPOLDINENSE de maio de 2006)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Pássaros

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Outubro, 2009

Não apenas o homem, animal gregário por excelência, tem deixado o campo rumo às cidades. Percebo que uma boa leva de pássaros, antes de hábitos rurais, também está optando pela funcionalidade da vida urbana. A chegada deles é gradual, tranqüila. Nada que lembre aqueles sustos dos corvos de Hitchcock.

Não me refiro a pássaros tradicionalmente urbanos como o pardal, esse europeu comedor de bichinhos, há muito tempo abrasileirado, que o prefeito Pereira Passos, do Rio de Janeiro, mandou vir de Lisboa em 1903, soltando-o no Campo de Santana, para ajudar o sanitarista Oswaldo Cruz a acabar com insetos transmissores de doenças tropicais.

O pardal tomou conta do Brasil e da América. Virou praga, mas fez o que dele se esperava. Pena não dar conta de acabar com o mosquito da dengue, tarefa, quem sabe, para algum outro passarinho mais chato do que ele.

Nem falo da pomba rola, simpática brasileirinha urbana, com seus ninhos sem capricho nas forquilhas dos oitis, prima dos pombos comuns, esses porcalhões europeus introduzidos no Brasil sem século XVI, grafiteiros escatológicos de estátuas e monumentos.

O que eu observo é que muitas outras aves caíram na corrente migratória do êxodo rural. Nunca vi tantas maritacas e papagaios citadinos em algazarra sobre nossos telhados urbanos. Tradicionalmente ariscos, distantes, cruzando alto os céus das fazendas, esses tais psitacídeos nidificam agora nos beirais das casas da rua, disputando vagas com garrinchas e andorinhas. Somente na minha rua fixaram domicílio dois casais desses migrantes verdes não inscritos no PV de Dona Aspásia Camargo e do ministro Carlos Minc.

Sabiás e sanhaços, então, nem se fala. Tornaram-se condôminos de pardais e bem-te-vis nos galhos apartamentais de mangueiras e abacateiros de quintais. Saíras azuis e verdes, lindíssimas, pinturas peroladas como nos automóveis de luxo, frequentam, apressadas, meus pés de amora e de pitanga.

Melros, goderos, coleirinhos, tizius, cigarrinhas, canarinhos-da-terra e bicos-de-lacre, aos bandos, aparecem quando o capinzal dos lotes vagos e das encostas produz semente.

Como é próprio da mãe natura, atrás dos justos vêm os predadores. Não por acaso o olhar irrequieto dos pássaros, aquela vigilância periférica constante e nervosa. Gavião-carcará, gavião-pomba, gavião-carijó, ponderam mergulhos fatais, espreitando-os do alto das palmeiras e das antenas de TV.

À noite, corujas nada filosóficas cruzam a escuridão com seus piados sinistros. São as aves de rapina! Diria aquele ministro do Collor: Viver, também na cidade, é perigoso para qualquer ser humano.

Já o repulsivo urubu, carnívoro robusto, sem inimigos e sem problema de estômago, há muito detém cidadania urbana. O universo de suas preocupações se resume a atropelamentos caninos e a putrefatos ao ponto, nos riachos e nos monturos. Mas chega a parecer imponente e belo quando visto de longe, lá no céu, pegando caronas rodopiantes nas correntes malodorosas ascendentes dos lixões.

Tanto quanto na vida, o urubu quando voa alto é um beneficiário das aparências.
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(Publicada em 22.10.2009 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/
e no jornal LEOPOLDINENSE)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ormeo Junqueira Botelho

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(Publicado em abril de 1997 no Jornal Equipe, de Leopoldina)
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Em “Sociedade Afluente”, John Kenneth Galbraith generaliza conceituação negativa sobre a origem das grandes fortunas pessoais da América, apontando a regra invariável da venalidade em suas origens. Não poupa, o ilustre economista contemporâneo, restrições aos Rockefellers da Standard Oil, aos Vanderbilts e a outros êxitos espaciais subjacentes aos trilhos e dormentes das primeiras ferrovias americanas. No livro “A Era da Incerteza”, a explicitude do autor é de molde a agravar reputações em descendentes mais sensíveis. O livro vendeu horrores! Falar mal de rico dá Ibope até no primeiro mundo.

O referencial de grande êxito econômico em nossa província mineira se chamou Ormeo Junqueira Botelho. Conheci-o desde criança, nesta terra íntima onde as pessoas se chamam pelo primeiro nome, mas uma diferença de idade de meio século e minha vida profissional sempre distante de Leopoldina, nos manteve desconhecidos.

Dr. Ormeo, como se sabe, foi um líder de projeção nacional cuja vida e cujas obras espraiaram-se pelo conhecimento público neste país. Grande industrial, fazendeiro, político (foi Deputado Federal), sempre acatado e bem referido por seus conterrâneos, impunha-se pela sabedoria mas, acima de tudo, por suas qualidades extraordinárias de homem realizador, discreto, afável e cordial.

Lembro-me, ainda criança, poder identificá-lo logo que apontava em qualquer rua da cidade, elegante, dirigindo sua “Mercury” verde-claro. Importa pouco se a cor não fosse exatamente esta, e o importado de outra marca. Vale a fotografia decalcada na memória.

Era homem simpático, muito querido, mas era um notável. E as pessoas notáveis não escapam do folclore. Benemérito de todas as grandes obras sociais da cidade, ainda assim havia quem fizesse troça, dizendo que era “pão duro”, um “mão fechada”. A “prova” – observavam os piadistas - é que ele apura trocados vendendo verduras de sua horta da Fazenda Laranjeiras!

E não é que, certo dia, eu ainda rapazinho, realmente o vi retirar da mala do carro uma cesta cheia de alfaces, e entrar com ela no Mercado da Rua Carlos Luz. Não sei se levava verduras à venda. Sei que, fosse para vender ou para doar, serviçais poderiam fazê-lo por ele. Logo, o essencial para mim estaria nos valores que permitiam àquele homem milionário – dono de vastíssimas fazendas e hidrelétricas em alguns estados do país - lidar em público com suas hortaliças, produzindo uma eloqüente lição de humildade.

Em 1958, aos dezenove anos, fui para o Rio de Janeiro ser vestibulando e bancário, no centro da cidade. Como residia na Glória, meu Bonde de ir para o trabalho era o “Nº3 - Águas Férreas / Tabuleiro da Baiana”.
Não é que o Dr. Ormeo, uma ou duas vezes, foi (sem o saber, claro) minha ilustre companhia naquele Bonde! Lembro-me dele sentado bem à frente, no banco próximo ao motorneiro. O Rio de então era pacífico e mesmo o presidente da Cia. Força e Luz Cataguases Leopoldina podia eventualmente dispensar o motorista e optar por um agradável percurso de Bonde, do Largo do Boticário ao Largo da Carioca. Bastava ter na alma o toque das coisas simples, amar o frescor das manhãs, da paisagem e das pessoas.

Vinte anos depois, em 1978, um anúncio de jornal colocou-me - por absoluta obra do acaso - ao telefone com o Dr. Ormeo. Foi a única vez em que nos falamos. Deu-se do seguinte modo: andava eu revirando jornais de anúncios classificados à procura de apartamento à venda no bairro Laranjeiras. Queria morar lá. Copacabana já não era a mesma e a ideia era encontrar um teto mais próximo do trabalho, no centro.

Recorta aqui, assinala ali, e num do muitos telefonemas para clarear simplificações de anúncio, quem atende do lado de lá? Um proprietário que, antes de falar sobre o imóvel anunciado, desejava dados do pretenso comprador. Identifiquei-me. Ele garimpou mais fundo e seguiu apurando minha procedência Leopoldinense, apurando onde eu trabalhava, apurando o nome do meu pai, do meu sogro... Êpa! Estacou aí. Conhecia meu sogro. Era seu companheiro de Rotary, em Leopoldina.

De minha parte, certamente não disfarcei timidez na voz ao descobrir que, do lado de lá, estava o Dr. Ormeo. Foi cordialíssimo. Não disse o preço do imóvel, claro. Nós, mineiros, nunca escancaramos essas coisas logo de saída. Mas articulou, ao despedir-se, uma pergunta que me pareceu sublinhada: “-Você anotou direito a metragem quadrada do apartamento?” (O apartamento era enorme) Anotei sim, Dr. Ormeo.

Desliguei intrigado com a pergunta. Estaria ele sugerindo que minha família - minha mulher, eu e um filho - lhe parecia pequena demais para o apartamento? Ou que o apartamento seria grande (e caro) demais para a bolsa do jovem bancário que eu era? O diabo é que nas duas alternativas ele acertaria na mosca. Tanto assim que eu desisti do negócio.

Meu sogro sempre mencionava, com entusiasmo de grande admirador, as virtudes do Rotariano, Ormeo. Sem dúvida, uma admiração cultivada em atenções recíprocas. Em minha casa vai resistindo às trepidações de mais de meio século de casados, uma bela fruteira de porcelana que nos foi dada pelo Dr. Ormeo como presente de casamento.

Agora, no início de 1997, esse grande filho de Leopoldina recebe uma justa homenagem de seus concidadãos. O prefeito Márcio Freire assinou decreto dando nome de “Dr. Ormeo Junqueira Botelho” à pracinha situada em frete à Catedral de São Sebastião.

O prefeito Márcio não poderia iniciar este seu segundo governo de forma mais feliz, eternizando naquele recanto poético o marco do centenário de nascimento deste grande benemérito de nossa região. O engenheiro, Ivan Botelho, filho do homenageado, em palavras de agradecimento, vinculou a sensibilidade de Márcio Freire à sua origem paterna em outro grande Leopoldinense, o Dr. José Bastos Faria Freire.

De Dr. Ormeo o mínimo que se pode dizer é que foi um empresário vitorioso, um homem de posses, um homem de amigos, um homem popular e um grande cidadão. Mas, acima de tudo, uma pessoa que excedeu em valores humanos a soma de suas conquistas temporais. Líder político lúcido e útil à sua gente, foi cidadão de conduta exemplar, um arquiteto que deixou a marca indelével de seu talento em obras fundamentais em Leopoldina. E, paradoxalmente aos exemplos colhidos pelo autor de "Sociedade Afluente", um homem vitorioso cujo sucesso material se explica unicamente pelo trabalho.
Talvez Galbraith não o reconhecesse.
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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Impasse da MP-1570

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Abril, 97

A recente Medida Provisória nº 1570, que exige fiança ou caução aos postulantes de medidas liminares ou tutelas antecipadas no Judiciário, é sapo repulsivo de engolir. Qualquer aluno do primeiro ano do curso de direito sabe que ela é atentatória ao inalienável direito constitucional que tem, todo cidadão, de peticionar ao judiciário.

Fernando da Costa Tourinho Neto, diretor do Tribunal Regional Federal, da 1ª Região (Brasília), em discurso ouvido pelo Presidente da Suprema Corte, Sepúlveda Pertence, acaba de pregar a rebelião dizendo textualmente: “É preciso que todos nós nos rebelemos contra esse pendor ditatorial do Executivo, é preciso que a sociedade se levante, que os juízes se rebelem contra este estado de coisas”.

De seu turno, o Partido Liberal do Sr. Álvaro Vale investiu contra o abuso ajuizando Ação Direta de Inconstitucionalidade, no Supremo. Argumenta o líder do PL que a MP-1570 visa neutralizar a atuação da Justiça no processo de privatização da Vale do Rio Doce, anulando o “público direito subjetivo de petição”, desmoralizando o Poder Judiciário ao torná-lo inerte e incapaz de cumprir suas mais elementares funções. “Procurando a fujimorização de nosso país, o governo quer acabar com a garantia real do recurso à Justiça”, sentencia o diplomata e deputado federal, Álvaro Valle.

Realmente, o artigo segundo da MP buscou limitar a prestação jurisdicional. Segundo esse dispositivo na concessão de liminar ou de qualquer medida de caráter antecipatório, mesmo em questões tributárias, contra o Governo Federal, e sempre que haja a possibilidade de dano ao poder público, o Juiz determinará a prestação de garantia ou fiança.

Ora, muito incerto é prever o que os Juízes irão entender como “possibilidade de dano ao poder público”... Essa MP é absolutamente inconstitucional porque limita o acesso ao Judiciário. É inconstitucional, também, porque não foi concebida a partir dos pressupostos da relevância e da urgência, exigidos pelo art. 62 da Constituição Federal, hipóteses únicas em que o Governo pode adotar medidas provisórias.

Nossa percepção de que o país foi colocado diante de uma absurda inconstitucionalidade, não é uma percepção política – é rigorosamente técnica. E, do ponto de vista técnico-jurídico, a impressão é de estarmos diante do óbvio.
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(Publicado na Gazeta de Leopoldina de 09 de abril de 1997)

Privatizações

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Maio, 97

Num modesto jornalzinho de interior, conhecido empresário mineiro deitou cátedra, recentemente, em defesa das privatizações. Para ele, que há cerca de setenta anos de outra coisa não cuida que seus próprios e exclusivíssimos interesses, o grande impasse brasileiro se resume, a priori, no controle da Vale (que deve ser alienado imediatamente, a qualquer preço) e na existência de aposentadorias onerosas ao erário. Chega a ser bonito uma pessoa com cérebro tão simples.

Imagina-se sábio, mas não passa de um inocente inútil embolado na teia do discurso neoliberal, que embota consciências e embriaga os incautos. Na realidade o Estado continuará organizando a sociedade para evitar que as regras hegemônicas do mercado e dos interesses privados escusos instalem o caos social.

É o que, de fato, está ocorrendo no primeiro mundo em que pese a abordagem sempre tendenciosa e superficial da grande imprensa. A revista Momento, num de seus últimos números, lembra os consórcios europeus, norte-americanos e asiáticos, envolvendo a cooperação de governos e empresas privadas, para endossar o jornalista econômico Rolf Kuntz, do O Estado de São Paulo, para quem “tudo o que conhecemos hoje é produto de um sistema político no qual o Estado exerce papel indispensável”.

A fixação neoliberal contra quaisquer intervenções do estado no mercado encontra eco exatamente naqueles que detêm o monopólio da opinião, nos beneficiários do aumento do lucro das empresas via arrocho salarial e enxugamento de mão de obra, do controle sobre salários e dos movimentos sindicais. Temos, hoje, neste Brasil das desigualdades sociais agravadas pelo projeto neoliberal, um sindicalismo sem bandeira, imobilizado e impotente diante da globalização desempregadora e das ameaças às conquistas e aos direitos dos trabalhadores.

Nesse caldo de cultura o empresariado pátrio, que jamais evolui de sua eterna “fase oral” (chupões das tetas públicas), vive um instante mágico: parece que no leilão da Vale “vai ter pra todo mundo”.
-Somos liberais desde criancinhas!

Aliás, depois que a experiência fez água na Argentina (Meu reino por um Cavalo!) e no México (Viva Zapata!), o melhor exemplo que sobrou aos neoliberais ficou sendo o Chile. Mas o Chile, em expressão econômica, não é páreo muito duro nem para o nosso ditoso município de São Bernardo do Campo. E eu pergunto: alguém aí sabe o nome do prefeito de São Bernardo?... Eu também, não. Então, que seja encaminhada ao cultivo das favas essa ridícula tietagem ao Pinochet?

Deixa pra lá. Que Deus ilumine FHC, reconduzindo-o a seus próprios escritos - descobri (eu não sabia), num sebo da Rua Assembléia, que nosso Presidente, em 1962, traduziu “Do Espírito das Leis”, de Montesquieu - e que, iluminando-o, não o deixe perder os trilhos da reeleição com essa venda da Vale.
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(Publicado na Gazeta de Leopoldina de maio de 1997)

Eleições Francesas

Junho, 1997

Publicado na Gazeta de Leopoldina –
Faltando ano e meio para Fernando Henrique Cardoso
terminar seu primeiro mandato)



O chanceler alemão, Otto von Bismarck, afirmava que política não é uma ciência exata, é uma arte. Não convém discordar das conclusões politico-filosóficas do grande estadista, um primeiro ministro que foi aclamado príncipe. Diríamos, no entanto, que os fatos políticos nem por isso deixam de merecer análise, para boa nota de suas advertências implícitas.

Vejam que proveitosas lições nos chegam da civilizada Europa. Os britânicos, há pouco mais de um mês, deram aos trabalhistas uma vitória espetacular sobre os conservadores e o primeiro-ministro eleito, Tony Blair, já se apressa em afirmar, urbi et orbi, que prefere “a razão à doutrina”. Falando a Bill Clinton de seus valores e aspirações comuns, enfatiza ser esta uma geração forte em ideais, indiferente a ideologias, cujo instinto é julgar os governos não por projetos grandiosos, mas por resultados práticos.

Na França, Lionel Jospin, do Partido Socialista, é o primeiro-ministro eleito desde o último domingo, primeiro de junho. Disse ele: “Respeitaremos até o fim o voto dos franceses, e isto significa que cumpriremos todas as nossas promessas, ao contrário do que a direita fez com seu programa de 1995”.

Palavras como estas invocam um déjà vu na memória recente deste país. Nós elegemos um governo da centro-esquerda intelectual e, agora, não é exagero dizer que somos conduzidos pela inspiração conservadora e fisiológica de velhas lideranças encasteladas, abstêmias de qualquer sintonia popular.

Sem embargo, vejam o que Jospin prioriza como alvo das iniciativas imediatas em seu governo: criação de 350 mil empregos municipais para jovens (vigilância, reabilitação urbana, serviços para incapacitados, etc.), convertendo em salários uma parte do dinheiro atualmente destinado a subsídios.

Por aqui, emprego parece ser secundário. Nossos conservadores - a maioria nordestinos de bigodinho – apostam em privatizações suspeitosas, como a da Vale, na redução baratinada do estado, na rarefação gradual das oportunidades para os jovens... Donde, sempre que possível, um brado retumbante pelo enxugamento das folhas municipais, o que equivale ao “fomento” do desemprego também na província.

O argumento de que o poder de compra dos salários deva ser mantido a qualquer custo, convence apenas os que ainda não perderam o emprego. A questão crucial, entretanto, é que os desempregados e os ameaçados pelo desemprego também votam. E, sendo assim, duas perguntinhas são pertinentes e não ofendem.
-Será que o Brasil também caminha na direção do seu Lionel Jospin?

Quem viver verá.


(04.06.1997)
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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

12 de outubro

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Anteontem foi dia da Padroeira e, à noite, me deu vontade de ir à missa na Capelinha de Nossa Senhora Aparecida, aqui do bairro. Festa bonita, de muita gente. A celebração teve que ser “campal”, feita na pracinha em frente à igreja. Mas o que me surpreendeu de forma muito particular foi a homilia, ou seja, as palavras do celebrante.

Quando o sacerdote que preside a missa é um pregador lúcido, a gente tem uma graça adicional à presença de Deus no altar. Quero dividir com vocês o apelo que ouvi, de solidariedade entre seres humanos.

Abordou nosso Padre Jorge as circunstâncias fáticas do aparecimento da imagem “Aparecida” no leito do Rio Paraíba do Sul. Lembrou a singela apresentação material da peça - obra simples de um rude artesão - escurecida pela oxidação no longo tempo em que esteve imersa, como que depositasse Deus na singela efígie um resumo antropológico da própria gente brasileira. Qual alegoria da Mãe que vem juntar-se aos filhos, já com eles identificada na própria cor, no despojamento e no abandono de um dia qualquer de três humildes pescadores.

Por que haveremos de desprezar - aduzia o sacerdote - este sinal do alto à igualdade, à inclusão social, à condenação de toda sorte de discriminação racial ao índio, ao negro, ao mestiço, ao sertanejo do norte, ao gaúcho do sul, ao caboclo do centro? Nossa Senhora Aparecida, moreninha, é inspiração divina ao amor aos nossos semelhantes, à fraternidade, à solidariedade entre irmãos, neste país maravilhoso e trigueiro que é o Brasil.

Ombreado ali com a gente simples da minha terra, eu me detinha em cada semblante, revolvendo na memória como em replay, a etnologia referida em Gilberto Freyre, Caio Prado e Buarque de Holanda, para certificar-me, ainda uma vez, o quão inapropriado é distinguir pelo critério da raça ou da cor, num país tão definidamente mestiço como o nosso.

O Brasil moreno de Nossa Senhora Aparecida! Aqui o afro-europeu veio tingir-se no útero da mãe tupi e da mãe preta, matrizes genéticas da nação que surgia para vir dar em nós, às vezes distintos por regiões, mas iguais e fraternos na alma e nos ricos matizes da brasilidade.

Fernando Sabino, em Gente, (1975), comentou que “o que mais intriga a maioria dos sociólogos que se dão ao trabalho de estudar essa charada que é o Brasil é que, por mais que cariocas, paulistas, mineiros, gaúchos, baianos ou nordestinos sejam diferentes uns dos outros, há qualquer coisa que os identifica em qualquer lugar do mundo como brasileiros: o seu espírito de independência e seu apego à liberdade, que um dia acabarão fazendo do Brasil um grande país”.

Por essas e por outras é que para ser racista neste país, e aceitar a desigualdade, não basta possuir um caráter defeituoso. Há que adicionar uma boa dose de estupidez à receita. Somos o que, gloriosamente, somos. Irmãos e patriotas, orgulhosos da nossa raça brasileira, sob color da Padroeira deste pedaço abençoado da América, onde vive o povo mais bonito e as melhores pessoas do planeta.

Vamos em paz, e o Senhor nos acompanhe.
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Publicada aos 15.10.2009 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Apenas uma Ideia

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Março, 2003

É muito interessante ouvir quem tem boas ideias para troca. O assunto, aqui, surgiu numa dessas barganhas de papo com um empresário leopoldinense, o André Fernandes. A gente falava da falta, em nossa cidade, de uma área pública de lazer. Lamentávamos o fato de nossa Leopoldina, Minas, com sua paisagem contida de cidade que se desenvolveu no rodapé das colinas, não dispor de espaço livre para as pessoas caminharem, andarem de bicicleta, tomarem sol, passearem com as crianças.

Claro que este não é o caso de quem possui chácara, fazenda, sítio e recursos bastantes para aplicar nesses aconchegos. Falávamos da população em geral, de domingos mais comunicativos para todos. O assunto, aliás, já foi tema de um programa de rádio da cidade, mas vou insistir nele, esperando que meus quatro leitores - três amigos e um parente - considerem coisa bem complicada, já que um velho ditado assegura que “uma ideia fácil de compreender não merece ser compreendida”.

Não por acaso, para entender a coisa, tive que pegar o carro e conferir in loco o projeto. É o seguinte:
Ali, à esquerda de quem entra na rua/estacionamento do Clube do Moinho, frontalmente à sede do Clube, há uma grande várzea pertencente à Chácara Desengano. A montante dessa várzea desce pela grota um pequeno córrego, bem à direita de quem sobe para São Lourenço. Localizaram-se?
Será que alguém supõe aquele vale inóspito como referência turística e orgulho da cidade de Leopoldina? Acho que não. Mas a tese é que poderá ser.

Se for construída uma grande barragem no riacho, uma barragem que atravesse a várzea fronteiriça ao estacionamento do Moinho na direção do Bairro Pinguda, produzir-se-á um enorme e maravilhoso LAGO em formato de pêra. Um lago de largura maior em sua frente, intrometendo-se grota a dentro por cerca de quinhentos metros, produzindo um espelho d´água com dimensões suficientes para a prática de esportes aquáticos, remo, vela, pedalinhos, jet sky e similares.

Agora imaginem o portento dessa enorme represa emoldurada, em todo o seu contorno, por pistas demarcadas para ciclismo, para caminhadas, patinação, skate, quadras múltiplas para vôlei, peteca, basquete, futebol society, etc. Na várzea contígua ao portão principal do Moinho, teríamos o acesso ao complexo com sobras de espaço para amplo estacionamento, praça de alimentação, área de camping, feira ao ar livre, parque de diversões, circos, etc.

O acesso principal a essa enorme área pública seria pela Rua Dr. Custódio Junqueira, mas o cimo da própria barragem, funcionando como parte da via de contorno do lago, permitiria também o acesso opcional pelo lado da Igreja de São José.

Enfim, o que é hoje um terreno baldio, ocioso, não edificável, abriga o potencial de um projeto de enorme repercussão social, que valorizaria enormemente a cidade, agregando-lhe beleza, qualidade de vida e charme urbanístico. Seria como abrir na parede cega uma janela para o nascente.

É inegável que se trata de sugestão apriorística a demandar amadurecimento e estudo prudente por administradores arrojados e competentes. Cumpre destacar, desde logo, entretanto, que dispomos desse patrimônio urbano imanifesto, do qual as pessoas não dão conta porque realmente não é simples divisar na paisagem coisas que nela ainda não estão.

Alguém dirá: mas é preciso muito dinheiro para se fazer um lago desses! Claro, bastante dinheiro. Mas pode ser menos do que se pensa. Para começar, a desapropriação dos terrenos, pela característica de sua franca imprestabilidade atual, poderia ser, no todo ou em parte, negociada com os proprietários na moeda in natura da simples fruição das áreas contíguas. Ou seja, o proprietário que hoje possui ali terrenos “imprestáveis”, voltados para o brejo e para o despenhadeiro, se indenizaria à tripa forra passando a possuir lotes altissimamente valorizados, servidos por via pública urbanizada e nobre. Pouco ou nada teriam a receber, interessando-se talvez em até contribuir para o empreendimento.

O projeto em si, dependendo de oportunidade futura, seria passível de inclusão em linha de crédito oficial de recuperação de caudais urbanos. Petrópolis, por exemplo, na década de 70, reequilibrou as instáveis barrancas do Rio Piabanha com linha de crédito federal específica para duplicação de sua longa Av. Rio Branco. No caso, uma coisa estava ligada à outra.

Expectativas de financiamento, entretanto, sempre incertas e aleatórias, não excluem o concurso da iniciativa privada num plano segmentado e inteligentemente concebido.
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(Publicado na Gazeta de Leopoldina de 28.03.2003)

A Gazeta é uma Flauta

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A semana que passou nasceu feliz para quem não gosta da Gazeta de Leopoldina. Nos dois programas mais populares das emissoras locais noticiaram a “queda” do Luiz Otávio Meneghite da direção do Jornal. Num átimo, a cidade “atônita dizia: Que foi? Que não foi?”
Houve gente telefonando aqui pra casa, porque muitos pensam que eu “sou da Gazeta”.

Aproveito e digo que não sou. Apenas rabisco umas caçoadas, sem qualquer compromisso de regularidade, e o Luiz Otávio publica por delicadeza ou por complacência. Meu único vínculo com aquele periódico é de gratidão ao Luiz pela temerária acolhida que dá às minhas garatujas.

Aos amigos dele acalmei, bandeiramente, dizendo que Mozart permanecia vivo, não sendo, ainda, “o mais moço dos anjos”... Não caíra do galho. Tudo continuava como antes. Mas a pressão inconfessada de politiqueiros locais – com noção talvez exagerada dos poderes que de fato possuem em cima do Luiz Otávio - realmente existe.

Até onde minha percepção alcança imagino que, com eleições para prefeito a caminho, o jornal, muito lido, passou a incomodar. Passou a ser cobiçado para servir de escada gratuita a aventuras pessoais.
A verdade é que, em 98, o Luiz assumiu uma Gazeta pobre de qualidade, sem regularidade e sem leitores. Colocou o jornal nos eixos e, agora, como penitente, paga pela valorização que ele próprio imprimiu ao periódico.

Como se vê, vindita provinciana, subproduto de idéias muito aquém do nível de competência que o estágio atual da civilização leopoldinense exigiria. O político inapto é a doença da democracia. O que, aliás, vem melhorando. Lembro-me quando o populismo empolgou o governo de Minas pela primeira vez, preocupava-nos que o perfil do homem público vitorioso no Brasil viesse mudando por obra do voto popular, sobretudo do entorno das cidades maiores. Reservas intelectuais e morais ao nível de um Milton Campos, Pedro Aleixo, Eduardo Gomes, Juscelino, passariam – para sempre - a ter menores chances.

Válida para Minas, Rio de Janeiro e São Paulo, durante anos, esta realidade parecia eterna. Mas, felizmente, o país tem evoluído. A sensibilidade popular se aperfeiçoa, o eleitor informado já reage de uma maneira culturalmente mais construtiva. Melhor para a democracia.

Voltando à Gazeta e à perseguição ao Luiz Otávio, eu diria o seguinte. Um Jornal do Interior não é o título que exibe. Um Jornal do Interior não é a gráfica, nem a tinta que o imprime. Não é o registro de propriedade. Não é o jornaleiro que o distribui. O Jornal do Interior, desprovido da identidade editorial e empresarial dos grandes órgãos de imprensa é, apenas e tão somente, a pessoa que o faz. Ponto final. Para onde essa pessoa for, com seu cérebro, com sua personalidade, com seus amigos, com sua credibilidade, com sua vocação, com sua experiência, com sua memória comunitária, com sua Remington-30, o Jornal do Interior vai junto. O órgão de imprensa passa a embutir uma identidade personalíssima, inalienável.

Isto me lembra uma história muito engraçada, que contam, do Altamiro Carrilho num show dado no interior de Goiás.
Para quem não se lembra, Altamiro Carrilho é aquele flautista dos diabos que há décadas empolga, com sua banda, os apreciadores do chorinho brejeiro, do samba malandro e do maxixe. Senhor de enorme versatilidade, Altamiro leva o público ao delírio com sua flauta malabarística. Não há flauta com segredos para ele: flauta longa, flauta média, flauta doce, flauta vertical, flauta transversa. Há uma flautinha diminuta com a qual ele faz “misérias” ao microfone.

Diz a piada que, ao final de um certo show, um fazendeirão riquíssimo, porém ingênuo, fascinado com as diabruras da flauta do Altamiro chegou para ele disse:
- Eu dou trinta mil nessa frauta!
Que é isto, amigo - protestou o Altamiro - esta flautinha é barata, custa menos que vinte reais em qualquer loja.
- Nããão - insistiu o fazendeiro - eu nunca vi uma frauta atentada tocá igual a essa. Tem paciência, o senhor me vende a frauta... Eu dou os trinta mil nela.

Dizem que o Altamiro, comovido, passou uma flanela na flauta e deu-a de presente ao simpático rurícola. Que não deve ter levado muito tempo para concluir que a flautinha só tocava bonito daquele jeito quando estava nas mãos e nos lábios do consagrado músico.

Acredito que neste caso da Gazeta a situação teatral seja análoga: a Gazeta é a “flauta cobiçada”; o Luiz Otávio, o “genial instrumentista”; e os equivocados da província que pensam que a Gazeta continuará bonita como está, para servir-lhes, não passam de ingênuos caipiras.

Vai ser a vida imitando a arte.
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(Publicado na Gazeta de Leopoldina)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O Caso da Mina

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Foram quase quatro décadas sem topar com Valdemar, meu companheiro de infância. Crescemos juntos nas quebradas das gerais, num aglomerado humano besteiro, um “comerciozinho” meio chegado ao imaginário baiano do dramaturgo Dias Gomes.

Ele, filho de peão, aos oitos anos já recebera da mãe a dura incumbência de prover de água potável sua casa, buscando-a num balde, de uma despencada nascente, lá no fundo da grota, na raiz do morro. Sá Joana, a mãe de Valdemar, vivia resmungando:

-O governo devia mudar essa mina de lugar! Não fossem as pernas finas do meu Vademaro o que seria de mim! E clamava por mais água:
-Vademaro, meu bombeiro d'água!

A queixa ingênua de Sá Joana e seu grito, sempre que precisava ajuda do filho, mantiveram para sempre o menino Valdemar presente em minhas lembranças da roça. Até hoje não posso ver alguém com uma vasilha d'água, um pote, uma lata, o que for, sem que me venha à memória a súplica de Sá Joana:
- Vademaro, meu bombeiro d'água!

A vida nos separou na adolescência. Peguei estrada muito jovem rumo à capital, pela mesma época em que também a família do bom Valdemar caiu na corrente migratória rural em busca de vida menos áspera na cidade.

Fiquei feliz, anos depois, quando soube que Valdemar, cérebro dotado, lograra completar o secundário e ganhara bolsa para o curso de engenharia. Êxito merecido que confirmei, há uns quatro anos, quando cruzamos caminho numa sala do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Era, sim, engenheiro vitorioso, andava por perto e não disfarçava pretensões políticas muito concretas em nossa região. Na verdade já compunha "quadros" de uma certa liderança oposicionista meio estabanada, mas em alta eleitoral bastante promissora.

Tanto que voltamos a nos ver, não muito tempo depois, nas andanças dele para eleger-se deputado estadual. Sua base eleitoral era a capital, mas passou por nossa terra e esteve em minha casa. Foi quando me manifestou queixas dos hábitos políticos locais. Chegou a falar muito mal de alguns amigos meus, da província.

Contou que, deflagrada a campanha, procurou líderes oposicionistas locais, buscando composição que o favorecesse na soma dos votos proporcionais. Trazia incenso e mirra: era amigo do (talvez) futuro Governador que, se viesse a ganhar (o que parecia provável), o posicionaria tão bem no governo que a aldeia haveria de comer com ele, no mesmo pires, pão e mel de sonhos mirabólicos.

Só que este discurso já não impressionava. Antes dele cá estivera outro candidato, um tal Cayo Fagundes, que simplesmente ofereceu à liderança oposicionista, pelo mesmo empenho, uma cornucópia regurgitante de moedas-de-troca... por votos.

A situação foi posta em termos muito claros: ele, Valdemar, teria que cobrir o lance em espécie, ou o apoio seria inviável. Valdemar não tinha como cobrir. Sua moeda era outra, do tipo in natura, ou seja, o prestígio! Era homem do futuro governador, e isto nunca foi pouca coisa.

Sopitou no peito a indignação dos justos, aconselhou-se no antigo provérbio que recomenda silêncio ao bom cabrito e optou por "dar o troco": regressou, semanas depois, já então com endereço e CPF dos situacionistas. Boa formação nas exatas, guardava de um velho mestre da física uma lição preciosa: dê-me uma alavanca e moverei o mundo. Alavancou-se na companhia abonadora de um irmão do próprio futuro Governador. Ou seja, trouxe o aval no banco do carona.

Nem isto deu certo. A situação na província também estava fechada com outro candidato de moedas sonantes, em montante suficiente para todas as despesas publicitárias do projeto continuísta do prefeito atual. Neste segundo caso, nem dava para discutir a cobertura do lance porque parte da ajuda já viera em moeda forte e já se espargia pelas ruas numa nuvem de santinhos impressos dando piruetas nas sarjetas.

Business! Business! De novo a moeda se interpondo aos planos de Valdemar. Aquela coisa sonante, monetálica, circulariforme, concreta, denária, burra, contada e achada certa!

Consumia-se Valdemar em ódio e suscetibilidades. Jurou que aqueles usurários haveriam de pagar-lhe. Se o guru deles eram os financiadores de campanha, faltava-lhes conhecer um aluno de Maquiavel. Era só o Governador ganhar e armá-lo cavaleiro.

Não deu outra. O Governador, como previsto, venceu a eleição. E adivinhem onde meteu o "quadros" Valdemar? No vice-reinado municipalístico das águas e dos esgotos. E o Vice-Rei não perdeu tempo. Mal tomou posse no cargo, mandou ver medida administrativa que, lacônica, dizia apenas: "Ficam transferidos os olhos d'água. A partir da publicação desta lei, arredam-se as bicas das nascentes para 70 km a oeste do ponto onde originalmente brotam”. Pronto! As águas foram irrigar outro município.

Numa penada exaustiva, Valdemar resolveu dois problemas em sua vida. Realizou o velho sonho de Sá Joana, de ver o Governo mudando mina de lugar, e aplicou um corretivo exemplar nos Milton Friedmans de cidadezinha qualquer, que não souberam avaliar a extensão de seu prestígio.

A vingança estava consumada. O sonho seguinte seria garantir a próxima eleição com votos dos beneficiados pelas nascentes remanejadas. Não sei se deu certo. Minha torcida ele sempre terá.

Quanto à saudosa Sá Joana, certamente já não vive. Mas posso ouvi-la, vitoriosa, lá no poço fundo dos tempos:

- Vademaro, meu bombeiro d'água!
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(Publicada no jornal LEOPOLDINENSE de 15 de outubro de 2009)

domingo, 11 de outubro de 2009

Conselhos e Receitas

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Janeiro, 2003

"Seguid vuestro camino y no deis consejos
a quien no los pide." (Cervantes)

Não existem conselhos mais inúteis, nem mais maçantes, do que os que buscam interferir na silhueta alheia. Se você é pródigo nesse tipo de palpite, cuidado. Tem chato no seu clube.

O ser humano se torna o que realmente é por volta dos 40 e, a partir daí, começa a conviver com os desprazeres do que passa a já não ser. Melhor é não atormentá-lo com as − digamos − evidências inestéticas do seu avanço em anos:
– Ih, como você engordou, cara!... Sua testa se expandiu à pampa! E pampa gaúcho, daqueles de sumir na planura!

Melhor deixar que cada um eleja o Calvário por onde arrastar sua própria cruz. Vá lá que brincadeira a gente possa embarcar nela e, com um pouquinho de espírito, até opor um revide de bom gosto. O que não falta é uma criança dentro de nós saudosa de atividades lúdicas. É brincadeira dela, por exemplo, na hora daquele afago piedoso, do tipo “Cê tá ótimo, rapaz!”, que qualquer provecto acima dos 50 sabe ser falso, retrucar:

– Tem razão, cara, sinto-me tão jovem que estou pensando em entrar com uma Ação Judicial de retificação da idade.

Agora, de amargar mesmo são os conselhos terapêuticos. Gente, a chamada idade austera sofre com eles. E sofre tanto que se Deus assegurasse excesso de peso a todos, nem precisava gastar lenha no purgatório. A expiação dos pecados seria cumprida por aqui mesmo. Qual o redondo que nunca ouviu:
– Precisa fechar a boca, cara, maneirar essa barriga de chope... Conta pra mim, “tu é ladrão de geladeira”, cara, “tu é ladrão de geladeira!”

E quando a calva insidiosa já raleou, devastadora, seu topete adolescente:
– Olha, Mané, tem careca que até pega bem, sabe, mas esse teu aeroporto de mosquito é escroto, ô meu! Dá um tempo!
– Como dar um tempo?

E quanto um desses gordinhos aí de cima decide por uma caminhada no domingo e aparece, na segunda-feira, todo dolorido?

– Ih, sem essa de dor na coluna, amigão! Tá com nada... Conheço um japonês que cura hérnia de disco na hora, na base da pancada, cara. Isto mesmo, na pancada! Ele deita você no chão, se concentra, solta um grito “primitivista”, vai ao teto e, quando desce, já vem com os dois pés juntos bem aqui na junção da quinta lombar... Cura imediata, pode crer. Quer o endereço do japinha?

Tenho um amigo paulista que “pregou” no segundo quarteirão duma São Silvestre, mas adora passar conselhos atléticos:
Pô-ro-meu, o ser primitivo perseguia caça no mato, corria no mínimo dez quilômetros por dia, eintende, pra encontrar o quê? Uma preá, uma naceja. Comia crua e passava o dia só-ca-quilo. Pê-la-mô-di-Deu, cê usa ôtomovel até pra comprar cigarro! Tem que caminhar, ô meu! Queimar energia.

Miguel de Unamuno escreveu que o homem é um animal doente. Spilberg mostrou que a natureza tem suas respostas e, dessas combinações, surgiu o “chato bioquímico”:
Cumé que anda o colesterol?... Tem o bom e o ruim, tu sabe, né. Os triglicérides, no controle? Dizem que é fator de risco pior que o colesterol. Táis pesando quanto, 100 bagas? Cuidado, te falando: tem a obesidade comum e tem a mórbida. A mórbida, teve uma vez, que foi proibida até pra Rei Momo, na Embratur, tu lembra?

A vítima nunca reage. Aguenta tudo. Tá ferrada mesmo. Há uns 15 anos o médico lhe cortou o açúcar. Entregou “sua força de marido” ao ciclamato. Ultimamente, com a subida da pressão, foi a vez do sal. À mesa, um imenso sentimento de culpa diante de proteínas, grãos e derivados farináceos. No cérebro opaco aquele subterrâneo patrulhamento: não devo...

Muita salada, tá! De preferência sem sal, sem pimenta, sem ovos, sem embutidos, sem azeitonas, sem esses molhos ingleses e orientais, deliciosos, mas extremamente calóricos. Refrigerante, nem pensar! Mesmo água, só fora das refeições. Saia da mesa com fome. Deitar-se durante o dia só se for para ruminar, like bovinos e caprinos. É preciso mastigar exaustivamente folhas, vagens, talos, raízes. Homogeniza fibras e facilita a digestão.

Arroz, pouquíssimo, de preferência integral. Tá meio fora de moda em muitos lugares, mas loja de umbanda ainda vende. Sendo tarado por doce, compre rapadura nordestina na feira de São Cristóvão, no Rio. Seu instinto de autopreservação ajudará a evitá-la. A carne de sol que vendem lá também é ótima. De jumentos do Cabrobó. Quem não ignora detalhes da preparação come menos e emagrece... Queijo, prefira os brancos. Os de fabricação caseira, do vale do Jequitinhonha, em Minas, são ótimos. Só engorda os corajosos. E tome bastante água, no mínimo onze copos por dia. Se preciso, instale uma torneira no seu laptop.


Por fim, mexa-se. Inclusive dê trabalho  à sua mente. Cérebro também precisa movimento. Alguns idiotas afirmam que a velhice tem suas vantagens: ocupe um pouco sua cabeça tentando descobrir quais seriam...
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(Publicada a 31.01.2003 na Gazeta de Leopoldina)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A Lista Negra do TRE-MG

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Dezembro, 2009

Nesta terça, 6, o Blog do Noblat, no Globo Online, publicou artigo do jurista Joaquim Falcão de oportuna escolha. Aborda resolução do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais que decidiu colocar em seu site uma relação com nomes de todos os candidatos a cargos eletivos, contendo informações básicas sobre processos judiciais a que cada um responde.

Também o Globo.com informava que o TRE-MG aprovara a divulgação das fichas criminais de candidatos. A medida tem fundamento no preceito constitucional do “direito à informação”. Deverá sair no portal do Tribunal, na internet, a certidão criminal dos candidatos que disputarão as eleições em 2010, do mesmo modo como ocorre com a declaração de bens. Todas as ações que tramitem em varas cíveis e criminais, inclusive as que versarem sobre improbidade administrativa, constarão da lista.

Como se vê, é medida de ampla utilidade pública permitindo que o eleitor tenha conhecimento, com segurança e confiabilidade, do comportamento ético, social e profissional do eventual beneficiário de seu voto.

- Parece pouco? Não, não é. Enganam-se alguns comentaristas preocupados com a ausência de grande parte do público ainda não plugado na mídia digital. Essa ausência é relativa. Informações postadas na rede têm poder disseminativo pessoa a pessoa, são reproduzidas por centenas de estações de rádio por este Brasil a fora, pela TV e pelos jornais.

Conheço por dentro e por fora emissoras de rádio no interior. Elas trabalham, basicamente, com noticiário e música. A fonte dos noticiosos é a internet. A abrangência da rede não se limita, pois, ao público tecladista. Ela “contamina”, osmoticamente, todas as outras mídias indo dar lá na fofoca do boteco da esquina.

Nas Minas Gerais por onde ando, dois deputados, em ocasiões recentes, perderam por completo o prestígio e o capital eleitoral que tinham em suas províncias. Bastou que praticassem uma bobagem de gabinete: um, teve comprovado um ato de improbidade da esposa; o outro parece ter vendido seu voto numa comissão parlamentar da qual participou. Dinheiro quando é muito... sempre dá as caras. Ninguém fez alarde, ninguém bateu neles em palanque. Apenas as notícias correram e as evidências as confirmaram. Dançaram.

Vejo, então, com entusiasmo, esta medida do TRE de Minas e penso como o professor Joaquim Falcão:

-Se os tribunais eleitorais, federais, estaduais ou trabalhistas tomarem a mesma atitude, o eleitor em todo o país terá melhores condições de decidir seu voto.

Nada é mais terrível para o político vida torta que eleitor bem informado. Patifes são eleitos pelos ignorantes e pelos desinformados.

Plena razão tem, mais uma vez, o articulista quando diz que “independentemente do destino que vier a ter no Congresso Nacional, o projeto de lei de iniciativa popular, proibindo candidaturas de políticos com processos na justiça, a possibilidade do voto limpo já é real.”

Sem a menor dúvida. Transito pelo meio de gente humilde e pobre desde que nasci. Falo a língua deles, vivo próximo a eles, sei como pensam. Sei que suas “necessidades imediatas” muitas vezes os levam a barganhar votos. Mas sei também que o principal instrumento do político-bandido é a desinformação e o engodo. Com essa relação oficial informativa de crimes e irregularidades, a coisa muda. Principalmente porque o eleitor brasileiro é instável. Ele não é preso a identificação partidária. Não somos como nos Estados Unidos onde 70% dos eleitores votam em partido. Aqui a escolha é pessoal, não se pauta por legendas.

Por isto eles vão chiar, e muito! Sairá rapidinho dos desvãos partidários algum requerimento de medida judicial cautelar para sustar a lista. Liminares a caminho! Alguns deverão exigir, não à míngua do bom direito, que haja "sentença transitada em julgado” para figurar na lista.

Sabem por quê? Porque, no Brasil, com a legislação processual existente, uma decisão só transita em julgado após dúzia e meia de anos, quando “bons advogados” já se desdobraram em dezenas de recursos protelatórios possíveis. Nossos códigos processuais são o “vade mecum” de corruptos e vigaristas. Eles quase sempre se dão bem. Mas estão cada vez mais encantoados.
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(Publ.aos 08.12.2009 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Manoel Lobato


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O jornalista leopoldinense, Kalon Moraes, tem faro para notícias e documentos importantes. Imaginem vocês que desde o ano 2000, quando passamos pela provedoria da Casa de Caridade Leopoldinense e procuramos, dentre outras coisas, reunir e preservar antigos papéis encontrados nos armários da Casa, estamos à procura de duas fotografias antigas: uma que nos comprove em qual casa da (atual) Rua Manoel Lobato funcionou o Hospital, quando inaugurado, em 09.08.1896; a outra, uma foto do próprio Sr. Manoel Lobato, primeiro provedor do Hospital.

Pois esta segunda foto o Kalon acaba de "desenterrar" dos arquivos amontoados da Prefeitura e vai aqui, hoje, publicada. A primeira continuará "a prêmio". Quem encontrar nos papéis antigos da vovó ou do vovô alguma foto daquela rua (Rua Manoel Lobato, vulgo Rua da Grama), na qual apareça casa com indícios de Hospital, por favor, mostre pra gente. Mas a metade da escuridão acabou. Nesta fotografia a posteridade desfrutará do direito de conhecer esse personagem histórico de Leopoldina, o Tenente Coronel Manoel Lobato Monteiro Galvão de São Martinho, falecido em 1901.

Ele foi fazendeiro, vereador, presidente da Câmara Municipal no final do Império, vice-presidente da Câmara Municipal e primeiro presidente da Mesa Administrativa da Casa de Caridade Leopoldinense, assim composta em 1896: PRESIDENTE: Tenente Coronel Manoel Lobato Monteiro Galvão de São Martinho, vice-presidente da Câmara Municipal; VICE-PRESIDENTE: Dr. Joaquim Antonio Dutra, médico, e então presidente da Câmara Municipal; TESOUREIRO: João Luiz Guilherme Gaíde; SECRETÁRIO: Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira.

Em agosto próximo, deste ano de 2009, o Hospital completará, pois, 113 anos. No prédio atual está há, exatos, 107 anos. A Gazeta de Leopoldina, no nº 10, de 09/08/1896, noticiou a cerimônia de inauguração do Hospital com elogios às contribuições dos Drs. Gabriel Magalhães e Octávio Ottoni. Fizeram uso da palavra - tão logo o primeiro presidente da Instituição, Tenente-Coronel Manoel Lobato Monteiro Galvão de São Martinho (Vice-presidente da Câmara Municipal), declarou "instalada a Casa de Caridade" - os Srs., Augusto Teixeira, redator da Gazeta de Leopoldina, Gama Fernandes, do Jornal O Mediador, e o reverendo Cônego Angelim, vigário da Freguesia.

Observem: o Presidente do Executivo Municipal (Prefeito), médico Joaquim Antonio Dutra, era vice no Hospital; o vice na Câmara (Vice-prefeito), Manoel Lobato, era presidente no Hospital. Dois políticos e uma grande causa. Não consta que tenham transformado o Hospital num cabide de empregos, empurrando portas a dentro da instituição dezenas de apaniguados de uma só enfiada...

Hoje, entretanto, o que mais interessa é que, mercê da vigilância atenta do Kalon Moraes, podemos apresentar a vocês o primeiro provedor da Casa de Caridade, aquele que também dá nome a uma das ruas mais nobres e belas da cidade. Leopoldina é uma cidade de ruas (e outras coisas também) muito estreitas, mas tem na Rua da Grama uma via tão comprida e tão larga como o nome daquele que lhe empresta o designativo oficial: Rua Manoel Lobato, no seu tempo conhecido como Tenente Coronel Manoel Lobato Monteiro Galvão de São Martinho.
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(Publicada no jornal LEOPOLDINENSE de outubro de 2009)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

De que lado estou?

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Outubro, 2009

O ascensorista do meu prédio, um jovem estudante, quis saber “de que lado estou” naquele impasse político de Honduras. A pergunta veio com uma ressalva onerosa: “O senhor que sabe das coisas...”

Como falar de algo tão complicado numa descida de elevador?
-Bom, lá em baixo você desliga a cabine se não houver gente esperando, tá.
Vamos nos situar.

Esta é uma região do mundo chamada América Latina. Aqui, segundo um velho e sábio político baiano, Otávio Mangabeira, a democracia é uma plantinha tenra, muito frágil, que se não for bem cuidada murcha e morre.

Nas duas décadas finais do século passado, com o fim de regimes ditatoriais em nações importantes do continente, como Brasil, Argentina e Chile, a América Latina, com exceção de Cuba, caminhou para experiências democráticas. A exemplo do Brasil muitos desses países tiveram suas constituições reescritas para abrigar um “estado de direito democrático” e, claro, buscando preservá-lo. É o caso de Honduras.

Há, na constituição hondurenha, democraticamente votada pelo congresso daquele país, cláusula pétrea (ou seja, um princípio fundamental, intocável) segundo a qual o presidente da república não pode ser reeleito.

Cidadãos de um país da América Central, os hondurenhos conhecem muito bem a vocação autoritária e o apego ao poder dos políticos latino-americanos. Sabem que reeleição em qualquer país de democracia novata é o primeiro passo para a perpetuação de um déspota no poder.

Não por acaso, aliás, Simon Bolívar, em 1830, ante a ruína de seu plano de integração da América hispânica, profetizou que ela ficaria entregue a "pequenos tiranos quase imperceptíveis, de todas as cores e de todas as raças".

Mas é a partir do início do século XIX, que pipocam ditaduras para todos os gostos nesta parte do mundo. De Rosas a Perón, na Argentina; do caudilho Vargas aos generais-presidentes, no Brasil; Guzmán Blanco e Vicente Gómez, na Venezuela; Porfirio Díaz, no México; o peruano Leguía; Estrada Cabrera, na Guatemala; Pinochet, no Chile; Francia, Solano Lopez e Stroessner, no Paraguai; Maximiliano Martínez, em El Salvador; Fulgencio Batista, em Cuba; Rafael Trujillo, na Republica Dominicana; Anastasio Somoza, na Nicarágua... Por aí viemos.

Conseqüências óbvias de realidades arcaicas como latifúndio, imperialismo, pobreza, analfabetismo, militarismo, etc.

Sem embargo, sobre o raiar de uma nova ordem internacional após a queda do muro de Berlim, eis que um certo alpinismo autocrata, de inspiração esquerdista, começa a aflorar na América Latina, na senda de governos populares compromissados com as populações mais pobres.

Tal como nas décadas de 60 a 80, quando essa escalada se ergueu pela direita, na década atual ela se insinua pela esquerda, sob viés assistencialista, como opção ao neoliberalismo e aos inegáveis índices altos de desigualdade e exclusão social.

O certo é que Venezuela, Equador e Bolívia são exemplos de governos que se mostram desconfortáveis com as regras democráticas abrigadas nas constituições de seus países. Se antes a “guerra fria” norteava os inconformismos, hoje a força abonadora reside numa certa ambição de polaridade geopolítica na banda oposta à liderança americana no mundo.

Ora, Zelaya, rico fazendeiro eleito pela direita, mas que aderiu ao esquerdismo (ou ao populismo) chavista, como queiram, foi deposto de acordo com a Constituição de Honduras, apenas por insurgir-se contra ela. Começou por consultar o congresso sobre a realização de um plebiscito visando alterar a constituição da república hondurenha. Queria a retirada da “cláusula pétrea”, que proíbe a reeleição, mesmo protegida pelo Art. 239 da mesma Constituição que diz: “Qualquer presidente que tentar quebrar essa disposição, deve ser imediatamente afastado do cargo e considerado inelegível por 10 anos".

Como seria de se esperar, estando a campanha eleitoral para as eleições presidenciais no final deste novembro já nas ruas, o plebiscito foi negado – primeiro pelo legislativo, depois pelo judiciário.

Mesmo assim Zelaya foi ao Aeroporto retirar de um avião venezuelano as urnas e as cédulas enviadas por Chávez para o plebiscito em Honduras... Fez mais: exigiu que o comandante das forças armadas hondurenhas o apoiasse na retirada do material e na organização do plebiscito.

Óbvio que, ante a total inconstitucionalidade do ato, o militar se negou a fazê-lo e foi prontamente demitido por Zelaya.

Julgando o desrespeito à proibição do plebiscito e a clara disposição de ignorar as leis do país como práticas absolutamente inconstitucionais, a Suprema Corte de Honduras destituiu Zelaya da presidência e o expatriou. O sucessor legal, Deputado Micheletti, empossado, manteve as eleições presidenciais para o final de novembro.

Eis a questão. Por deter Zelaya um mandato popular, concordar com sua deposição seria, para muitos, abrir um precedente golpista bem ao gosto dos tradicionais tiranos latino-americanos. Pelo menos assim pensam os esquerdistas.

Por outro lado, ser a favor de Zelaya resultaria em abraçar, ingenuamente, o tal bolivarianismo autocrático de Chávez, que o apóia.

Na verdade, nenhuma das duas vertentes empolga consciências neste momento histórico internacional. Embargos econômicos e pressões políticas de países líderes inviabilizariam, hoje, qualquer governo despótico ou ilegitimamente instalado no continente.

Por tudo isto, o imbróglio em que se meteu a diplomacia brasileira no incidente doméstico de Tegucigalpa é, pois, de paupérrimo extrato. Vale tanto quanto o anacronismo dos valores em jogo.

Eu estou do lado de fora.
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(Publicada em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/, em 01.10.09, e no jornal LEOPOLDINENSE)